O mundo registrou recorde no número de queimadas; no Brasil, chamas causaram devastação na Amazônia e no Pantanal, confira essa retrospectiva
Em um ano no qual a pandemia do novo coronavírus foi a protagonista, o mundo registrou recorde no número de incêndios florestais e teve os principais eventos relacionados ao meio ambiente cancelados. Ao mesmo tempo, houve uma diminuição nas emissões de dióxido de carbono (CO²) na atmosfera, por conta do isolamento social e da paralisação da economia, e os países signatários do Acordo de Paris, que completou cinco anos em dezembro, apresentaram novas metas, mais agressivas, para combater a crise climática.
“O mundo está se mexendo em relação ao clima, oceanos, biodiversidade…Tem havido movimentos importantes”, afirma o doutor em Ecologia Alexander Turra, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN) e professor titular do Instituto Oceanográfico da USP (Universidade de São Paulo).
Apesar disso, ele relata que o ano foi “quase catastrófico” para o Brasil. “O desmatamento, a venda de madeira ilegal, a grilagem e o garimpo fizeram com que o país tivesse um aumento gigantesco de queimadas. É uma situação calamitosa e que não vem sendo coibida de forma exemplar pelo governo federal. O que salva 2020 nesse sentindo é a agenda de oceano, que foi muito bem trabalhada pela Comissão Interministerial dos Recursos do Mar, sob responsabilidade da Marinha do Brasil, e pela Coordenação-Geral de Oceanos, Antártica e Geociências (Cegoa), criada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI)”, acrescenta.
A seguir, confira alguns dos acontecimentos que marcaram o ano:
Recorde de queimadas no Pantanal e na Amazônia
Pantanal e Amazônia, dois dos biomas mais importantes do Brasil e do mundo, foram devastados por queimadas este ano, apesar das pressões internacionais e do decreto do presidente Jair Bolsonaro que suspendia por 120 dias, a partir de 16/7, o uso de fogo nessas regiões.
No Pantanal, pelos dados do Programa Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), entre janeiro e outubro foram registrados 21.115 focos ativos de incêndio, o maior número desde que o órgão começou a fazer a medição, em 1998 – antes disso, o pior ano havia sido 2005, quando houve 12.486 queimadas por lá. Segundo o Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (LASA), 4,2 milhões de hectares, o que corresponde a 28% do local, foram consumidos pelas chamas.
Já na Amazônia brasileira, no mesmo período, foram 93.356 pontos de calor, superando o total de 2019 (89.178). O Pará foi o estado mais atingido (33.449 focos). Só em outubro, 17.326 queimadas foram contabilizadas, mais que o dobro de igual mês do ano anterior (7.855). Não se via uma situação com essa na região desde 2010.
Em agosto, Bolsonaro fez uma acusação sem evidências de que organizações não governamentais (ONGs) poderiam estar por trás dos incêndios, com o objetivo de “chamar atenção” contra o governo. Um mês depois, em seu discurso na Assembleia Geral das Organização das Nações Unidas (ONU), o presidente tentou novamente se eximir de responsabilidade e minimizar o dano — atribuiu “parte considerável” das queimadas e dos desmatamentos a indígenas e caboclos e afirmou que o país é “referência em preservação ambiental”.
O desmatamento na Amazônia cresceu cerca de 9,5% entre agosto de 2019 e julho de 2020, mesmo com a presença do Exército na região desde maio, sob a Operação Verde Brasil 2. No total, foram derrubados 11.088 km² de floresta, o maior número da última década, de acordo com o Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), do Inpe. No período anterior, agosto de 2018 a julho de 2019, foram destruídos 9762 km², um aumento de 29,5% em comparação com 2017-2018.
Alta no número de incêndios florestais pelo mundo
Em 2020, os incêndios florestais não castigaram apenas a Amazônia e o Pantanal, ele também atingiram com força a Austrália, o Ártico Siberiano e a costa oeste dos Estados Unidos. De acordo com a Nasa, a agência espacial americana, e o Sistema Copernicus, da União Europeia, as queimadas foram as maiores em escala e em emissões de CO² em 18 anos.
O relatório “Queimadas, Florestas e o Futuro: Uma Crise Fora de Controle?”, elaborado pela ONG World Wide Fund for Nature (WWF) e o Boston Consulting Group (BCG), e publicado em agosto, mostrou que o número de alertas de focos de fogo em todo o mundo, a partir de abril, subiu 13% em relação ao ano passado. Os principais fatores que contribuíram para isso foram o clima mais quente e seco, devido às mudanças climáticas, e o desmatamento causado principalmente pela conversão de terras para a agricultura.
As consequências dos incêndios que ocorrerem na Amazônia e o no Pantanal não foram sentidas apenas nessas regiões e nas próximas a elas. Em São Paulo, a fumaça e as partículas liberadas pelas queimadas, aliadas à chegada de uma frente fria no período, fizeram o céu escurecer na tarde de 19/08. A capital paulista e seus arredores, bem como algumas cidades de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, ainda foram acometidas pele “chuva preta”, um fenômeno que ocorre justamente quando nuvens de chuva encontram a fuligem das queimadas.
Queda na concentração de CO² durante a pandemia
As medidas de confinamento, a redução no número de viagens e a desaceleramento da economia global resultantes da pandemia de covid-19 provocaram diminuição nas emissões de dióxido de carbono (CO²) na atmosfera. O Projeto Carbono Global, formado por dezenas de cientistas internacionais, calculou que, em 2020, o mundo terá lançado 34 bilhões de toneladas do gás no ar. Em 2019, foram 36,4 bilhões.
A Organização Meteorológica Mundial (OMM), vinculada à Organização das Nações Unidas (ONU), também prevê redução. Pelos dados preliminares coletados, será entre 4,2% e 7,5% este ano. Apesar do resultado positivo neste momento, o órgão diz que isso não basta para reduzir a concentração do poluente na atmosfera – no ano passado, a média anual foi de 410,5 partes por milhão (ppm), quase 48% a mais do que os níveis pré-industriais.
STF mantém as regras que protegem manguezais e restingas
No fim de setembro, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), presidido pelo ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, aprovou a extinção das resoluções 302 e 303, que delimitam a proteção de 1,6 milhão de hectares de áreas de proteção permanente (APPs) de manguezais e restingas do litoral brasileiro e ao redor de represas, abrindo espaços para especulação imobiliária e produção de camarão. A medida gerou críticas por parte de pesquisadores e ambientalistas e foi alvo de ações na justiça. No dia 29/10, a ministra do STF (Supremo Tribunal Federal) Rosa Weber suspendeu liminarmente a decisão. No final de novembro, seis dos 11 ministros do STF já havia se manifestado pela suspensão da decisão do Conama — preservando, assim, a proteção de manguezais e restingas.
Adiamento da COP26
Realizada anualmente, a Conferência do Clima (COP), que aconteceria em novembro em Glasgow, na Escócia, foi adiada por causa da pandemia da covid-19. Em um comunicado publicado em seu site, a ONU informou que a COP26 será celebrada em 2021 na mesma cidade. A data será comunicada posteriormente.
Novas metas para conter o aquecimento
Após cinco anos da assinatura do Acordo de Paris, compromisso global que quase todos os países do mundo assumiram para conter as mudanças climáticas, os países signatários apresentaram suas novas metas. O Brasil estabeleceu que irá atingir a neutralidade nas emissões de gases causadores do efeito estufa até 2060, mesma meta apresentada pela China.
No dia 12/12, data do aniversário do acordo, 77 chefes de Estado e de governo e dezenas de empresários se reuniram virtualmente para tratar das metas estabelecidas. A ONU, o Reino Unido e a França foram os coanfitriões da reunião, batizada de Cúpula da Ambição do Clima, e o Brasil ficou de fora da lista de países convidados.
Estados Unidos formalizam saída do Acordo de Paris
Anunciada desde 2017 por Donald Trump, a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris sobre o clima foi oficialmente concretizada em 4/11, um dia após a eleição presidencial no país. O republicano sempre alegou que o compromisso prejudicava a economia americana. Mas, ao que tudo indica, a ruptura será breve, já que o Joe Biden, que comandará a nação pelos próximos quatro anos, havia prometido reintegrar à nação ao tratado caso fosse eleito.
O Brasil iniciou este ano sua agenda de eventos para discutir o Plano Nacional para a Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável (2021 a 2030). A proposta, instituída pela ONU em 2017, tem como objetivo mobilizar comunidade científica, legisladores, setores público e privado e sociedade civil para um programa de pesquisa conjunta e inovação tecnológica, além de conscientizar a todos sobre a importância dos oceanos para garantir a saúde e a sustentabilidade dos mares.
Em solo nacional, as diretrizes traçadas ajudarão o país a planejar ações a favor do ambiente marinho para serem executadas nos próximos dez anos. O comando é do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), por meio do Programa Ciência do Mar.
Empresas e governos focam no reflorestamento
Recuperar as florestas é vital para enfrentar a crise climática, preservar a fauna e a flora e gerar empregos e negócios. Entendendo a urgência dessa questão, líderes governamentais e empresas do Brasil e do exterior têm focado seus esforços em ações para criar ou recriar áreas verdes ao redor do mundo e também desenvolver negócios baseados nessa atividade. A restauração de ecossistemas é uma das frentes de trabalho da economia regenerativa (leia mais a respeito na reportagem de capa da edição de dezembro de 2020 de Época Negócios).
O Fórum Econômico Mundial, realizado em fevereiro deste ano, adotou esse ponto e defendeu que, além de cortar emissões de gases estufa, é preciso reflorestar o planeta, medida capaz de garantir um terço das contenção de carbono necessária, com o objtetivo de impedir que o aquecimento global chega a -1,5º (o Fórum tem uma iniciativa de reflorestamento chamada 1t.org, que propõe o plantio de 1 trilhão de árvores até 2030). No mesmo espírito, começaram este ano os preparativos para a Década da Restauração de Ecossistemas das Nações Unidas, que começa em 2021.
Voltou a ganhar força este ano a ideia da tipificação do crime internacional de ecocídio — a destruição deliberada e em larga escala dos ecossistemas. Nos últimos meses, membros do governo francês anunciaram que pretendem promover um projeto de lei para punir o delito, com penas de prisão e multas. Num caminho paralelo, o governo da Bélgica, apoiado por outros da Europa e de países insulares no Pacífico, apresentou em novembro uma proposta para que o Tribunal Penal Internacional (TPI), que julga crimes contra a humanidade, passe a julgar ecocídios. Importantes personalidades também têm se manifestado em favor da medida, como a ativista Greta Thunberg e o papa Francisco.
FONTE: Época Negócios