Estima-se que US$ 3,9 trilhões de ativos deverão ser transferidos para as gerações futuras nos próximos 10 anos
Sempre fui a mais nova das minhas turmas. Entrei na faculdade com 17 anos, comecei a trabalhar cedo, enfim, em geral eu era a “caçula” (aliás, o que sou também na família). Não sei se foi por essa vivência, mas gosto muito de estar em contato com as novas gerações. Enquanto executiva, adorava almoçar com os estagiários dos meus times e saber como pensavam, o que os afligia, qual a nova tendência, o que discutiam na faculdade etc. Esse entendimento da dinâmica de uma outra geração – mais nova ou mais velha, não importa – é um verdadeiro exercício de vida. Alarga horizontes, amplia visões, nos traz outras perspectivas.
Foi numa dessas interações, por exemplo, que percebi que algo que aflige a minha turma, a Geração X, nada significa para os Millennials. Refiro-me à questão de gênero no ambiente de trabalho e o quanto as mulheres, em algumas situações, ainda se sentem inseguras em se posicionar e acreditar completamente em si mesmas. Colocando esse assunto em uma roda de conversa com pessoas de várias idades, percebi claramente o semblante inquisitivo de uma garota de seus 20 anos. Parecia que eu falava outra língua. “Como assim, não se posicionar? Como assim não falar o que pensa?”, era o que a sua expressão me dizia. Sua geração já chegou com espaços iguais (ou mais iguais) entre homens e mulheres. Aliás, não só entre homens e mulheres… Não é incrível podermos falar de LGBTQIA+ com tanta naturalidade? Algo inimaginável na minha adolescência.
Não há dúvida de que os jovens têm muito a dizer, e nos ensinar. Não por acaso, pela primeira vez na sua história, o The Global Risks Report – Relatório Global de Riscos, publicado anualmente pelo Fórum Econômico Mundial, entrevistou, além dos tradicionais formadores de opinião, mais de 200 membros do “Global Shapers Community”, comunidade formada por novos líderes e empreendedores sociais. A organização sem fins lucrativos registrada em Genebra nasceu no próprio Fórum e é uma rede formada por pessoas com menos de 30 anos e que trabalham para enfrentar desafios locais, regionais e globais. São mais de 13 mil em 438 cidades-hubs e 150 países. No Brasil, segundo o site, há hubs em Belo Horizonte, Brasília, Curitiba, Florianópolis e Fortaleza. Bacana de ver.
O Relatório Global de Riscos levanta anualmente quais os principais riscos em termos de probabilidade e impacto para a próxima década, na opinião dos entrevistados. É um exercício interessante comparar as respostas dos “Multistakeholders” (os entrevistados tradicionais) com as dos “Global Shapers”.
Em termos dos cinco riscos mais prováveis de acontecer nos próximos dez anos, houve consenso em conteúdo, pequena variação na ordem. Ambos os grupos concordaram com o número 1: eventos climáticos extremos. Já em termos de riscos de maior impacto, os jovens cravaram 4 ambientais no Top 5 (ao contrário dos Multistakeholders, que indicaram 3 ambientais). Mas, de novo, de forma geral, há um alinhamento nas opiniões.
A maior diferença vem quando comparamos as opiniões dos grupos em relação aos riscos mais prováveis de se concretizar em 2020. Ainda analisando apenas os Top 5, os Multistakeholders colocaram as questões econômicas como o primeiro da lista e indicaram apenas 2 ambientais. Os Global Shapers não tiveram dúvidas em cravar 4 ambientais. E o outro risco que escolheram, apesar de estar qualificado como “Risco Social”, também tem correlação com o meio ambiente: crise hídrica.
Alguma surpresa com esse resultado? Nenhuma, claro. As novas gerações já vêm com o “chip da sustentabilidade”. Não conseguem conceber o mundo de outra forma que não seja no melhor equilíbrio entre as dimensões sociais, ambientais e econômicas. E é muito animador que seja assim. Até porque estima-se que US$ 3,9 trilhões de ativos deverão ser transferidos para as gerações futuras nos próximos 10 anos. Que bom. Porque, quando indagadas se acreditam que o investimento responsável é mais importante agora do que cinco anos atrás, todas disseram que sim, em altos percentuais: 86% dos Millennials (nascidos entre 1982 e 1994), 79% da Geração X (1965 – 1981); e 67% dos Baby Boomers (1945 – 1964).
Os jovens também estão influenciando os processos seletivos. Novos talentos escolhem seus locais de trabalho a partir do propósito das instituições, suas práticas responsáveis, o legado que querem deixar para a sociedade. Dados da Harvard Business Review apontam que 75% dos candidatos entre 18 e 34 anos esperam que seus empregadores se posicionem nas questões de mudança do clima. O mesmo estudo sinaliza que a produtividade de funcionários de empresas que tem uma boa responsabilidade social corporativa é 16% superior.
Como acredito que a sabedoria está no meio, olho com encanto esses movimentos, mas acredito que o bom mesmo é a mescla. Do novo com o tradicional. Das asas com as raízes. Por isso, é tão bonito ver que a idade chegou na pauta da diversidade também. O mundo é diverso; e precisamos tirar desse caldo colorido o melhor que ele pode dar. E diversidade é uma pauta crucial em todos os movimentos da chamada “recuperação verde” pós-covid. Precisamos investir nossos melhores esforços para que esse pós (que um dia chegará, eu tenho fé) seja diferente para melhor.
Se depender de um levantamento do Ipsos feito com 21.104 pessoas em 28 países entre 21/8 e 4/9, as perspectivas são boas: no Brasil, 83% dos entrevistados concordaram com a afirmação: “Eu quero que a minha vida mude significativamente, em vez de voltar a ser como era antes da crise da covid-19”. No mundo, o percentual de concordantes foi de 72%. Vai Brasil! 😊
Sonia Favaretto é SDG Pioneer pelo Pacto Global da ONU e especialista em Sustentabilidade.
FONTE: Valor Investe