AMOSTRAS EM LABORATÓRIO DO HOSPITAL DA UNIVERSIDADE DE BERNA, SUÍÇA, QUE REALIZA PESQUISA POR VACINA CONTRA A COVID-19 Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/entrevista/2020/05/11/Como-a-covid-19-fomentou-a-maior-corrida-por-vacina-da-hist%C3%B3ria?utm_medium=Email&utm_campaign=BoletimCoronavirus&utm_source=nexogeral © 2020 | Todos os direitos deste material são reservados ao NEXO JORNAL LTDA., conforme a Lei nº 9.610/98. A sua publicação, redistribuição, transmissão e reescrita sem autorização prévia é proibida.

Como a covid-19 fomenta a maior corrida por vacina da história

Autor de livro sobre a história de remédios e tratamentos, microbiologista americano falou ao ‘Nexo’ sobre a busca por uma cura para o novo coronavírus e a importância dos testes clínicos

Diariamente são divulgadas novas pesquisas e hipóteses sobre tratamentos e vacinas contra a covid-19. É um noticiário que lança pequenas doses de esperança, especialmente com a ideia de que há gente trabalhando arduamente contra a ameaça do novo coronavírus.

O esforço coletivo envolve grandes multinacionais farmacêuticas, empresas de biotecnologia, startups, institutos de pesquisa e universidades, em diversos países. Entre as mais avançadas está a pesquisa da americana Moderna, empresa fundada em 2010, que teve a fase dois (de três) de testagem aprovada pelo FDA americano (equivalente no Brasil à Anvisa, Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Enquanto isso, a gigante alemã Pfizer, em parceria com uma companhia menor, BioNTech, promete “milhões de doses” de vacina para o fim do ano.

Se o produto final for bem-sucedido, contribuindo para refrear a pandemia, será um marco inédito na história do desenvolvimento de remédios. É o que explica o autor americano Thomas Hager, autor de “Dez Drogas” (Editora Todavia). Mestre em jornalismo e microbiologia e imunologia pela Universidade do Oregon, Hager é autor de diversos livros que difundem temas da ciência para um público mais amplo. Em “Dez Drogas”, ele apresenta o contexto em torno da criação de dez “plantas, pós e comprimidos” fundamentais na história da medicina, do ópio e morfina aos anticorpos monoclonais, usados em tratamentos contra o câncer.

O Nexo conversou com Hager por e-mail sobre a corrida por uma vacina da covid-19, paralelos históricos e os ataques à ciência, entre outros assuntos.

Existem dezenas de pesquisas para o desenvolvimento de vacinas e remédios para covid-19 em andamento. Existem equivalentes históricos para esta corrida? O que podemos aprender com eles?

THOMAS HAGER: Penso na corrida entre as vacinas [Jonas] Salk versus [Albert] Sabin para a poliomielite na década de 1950 — um sinal de que não é incomum que vários grupos procurem vacinas contra a mesma doença ao mesmo tempo. O que é incomum com a covid-19 é a escala e a urgência mundiais do problema, que estimularam o que estamos vendo agora, no que provavelmente será a maior corrida de vacinas da história. Haverá vencedores e perdedores, mas no final todos serão beneficiados com esse surto de pesquisa.

Estimativas recentes afirmam que uma vacina para a covid-19 pode estar disponível nos primeiros meses de 2021. Se isso acontecer, seria apenas um ano e meio desde que a doença apareceu, no final de 2019. Se isso acontecer, o que representará na história de medicamentos ou desenvolvimento de vacinas? Quais fatores permitem isso?

THOMAS HAGER: Uma vacina eficaz e segura que chegar ao mercado em menos de dois anos seria uma conquista histórica. Uma década ou mais costuma ser o padrão. Mas tantos grupos estão trabalhando duro no problema, e tantos governos e empresas farmacêuticas reconhecem sua importância, que todo o poder da medicina moderna estará focado na solução desse problema. Tudo está intensificado, desde tecnologias científicas aprimoradas, como sequenciamento de DNA e RNA e modelagem computacional aprimorada, até técnicas médicas e políticas governamentais otimizadas, que permitirão testes mais rápidos em mais sujeitos de pesquisa.

Como esses procedimentos de testes clínicos foram estabelecidos? Por que são tão importantes?

THOMAS HAGER: Testes precisos de segurança e eficácia em humanos — ou seja, testes clínicos — são um processo longo, difícil e muito caro. Antes da segunda metade do século 20, um médico poderia tentar praticamente qualquer nova “cura” em pacientes sem quase nenhuma supervisão das autoridades de saúde. Muitas vezes, os pesquisadores experimentavam em si mesmos ou em seus familiares. Houve muitas tragédias e muitos produtos inúteis colocados no mercado. Hoje, a exigência é muito mais alta para se provar a eficácia e a segurança de um novo medicamento. Testes clínicos cuidadosamente controlados para aprovação geralmente envolvem centenas ou milhares de indivíduos humanos, cada um dos quais deve assinar documentos em que conscientemente dá seu consentimento, deve receber quantidades precisamente controladas de medicamento ou placebo e, em seguida, ser metodicamente monitorado, às vezes por meses ou anos, para que se avaliem os riscos e benefícios.

Os testes clínicos modernos são demorados e caros, mas valem a pena porque resultam em medicamentos que são relativamente seguros de tomar e realmente funcionam. Uma das coisas que você verá na covid-19 são as tentativas de acelerar o processo com testes clínicos mais rápidos e de menor escala. Do lado positivo, podemos encontrar novos medicamentos mais rapidamente. Do lado negativo, corremos mais risco de expor os pacientes a drogas perigosas ou ineficazes. Como sociedade, temos que equilibrar nossa necessidade de velocidade em relação aos riscos.

Seu livro questiona se não seria hora de haver uma disrupção no modelo tradicional de negócios e desenvolvimento dominado grandes multinacionais farmacêuticas. A corrida pela vacina contra a covid-19, para a qual há muitas startups de biotecnologia e laboratórios menores envolvidos, pode contribuir para essa mudança?

THOMAS HAGER: Tenho um grande respeito pelas habilidades científicas das grandes farmacêuticas, em geral. Minha crítica é apenas sobre o papel do lucro no desenvolvimento de medicamentos, que faz as grandes empresas farmacêuticas se inclinarem para o desenvolvimento de medicamentos que elas pensam que serão rentáveis em detrimento de medicamentos que podem servir melhor à saúde pública. Com a covid-19, dado o número de pessoas em risco, é provável que todos os tipos de empresas privadas, de pequenos laboratórios de biotecnologia a grandes corporações internacionais, enxerguem que os lucros provavelmente estarão lá — e assim avançarão com toda velocidade.

Nos anos 1990, as grandes empresas farmacêuticas processaram países em desenvolvimento que quebraram a patente dos medicamentos para tratamento da aids, pois eram muito caros. Algo semelhante poderia acontecer novamente? Quais são os desafios de tornar um tratamento ou medicamento amplamente disponível?

THOMAS HAGER: A proteção de patentes é crítica para as empresas farmacêuticas e muitas outras. Não teríamos a maioria dos medicamentos que salvam vidas sem ela. Dito isto, ter um medicamento sob patente permite que a empresa que apostou — investindo grandes quantias na descoberta, desenvolvimento, teste e comercialização do medicamento — possa cobrar o que for coerente para o mercado. Se os consumidores sentirem que estão pagando muito caro, podem pressionar por meio de campanhas de relações públicas, ou governos de países específicos poderão subsidiar as compras. Novamente, tudo se resume a uma questão de dinheiro versus saúde pública.

Estamos testemunhando uma forte oposição à ciência e à medicina, desde o menosprezo aos perigos da covid-19 até líderes que promovem tratamentos não comprovados, como a cloroquina. Por que ainda estamos lidando com forças anticientíficas tão fortes?

THOMAS HAGER: Essa questão me preocupa há muitos anos. Eu sigo a frase: “Você tem direito a suas próprias opiniões, mas não a seus próprios fatos”. A ciência constitui uma ferramenta maravilhosa para que seres humanos separem fatos de ficção. Infelizmente, a maior parte das pessoas não sabe muito sobre ciência: como funciona, como é feita ou por que é tão importante. Eles não entendem sua linguagem ou compreendem suas regras. Isso facilita para que atores políticos ou econômicos distorçam, descartem ou usem indevidamente a ciência, a fim de promover suas agendas. No momento, estamos vendo muitas tentativas de “politizar” a ciência, fazendo parecer que os fatos científicos são simplesmente uma questão de opinião. Eu não acredito que sejam. Não que os cientistas não discutam ou critiquem o trabalho uns dos outros; eles fazem, e seus argumentos sobre dados formam uma parte crítica do avanço da ciência. É um problema quando as descobertas são retiradas do contexto e depois apresentadas ao público de maneiras projetadas para servir a fins políticos ou de obtenção de lucros.

Muitos governos tentam suprimir informações sobre a propagação de doenças ou a extensão de sua ameaça. Na década de 1970, o regime militar no Brasil omitiu informações sobre uma epidemia de meningite. Até que ponto as doenças ou crises de saúde podem influenciar a situação política?

THOMAS HAGER: Há uma longa relação entre doença e política. Um exemplo nos EUA é o modo como a varíola dizimou as populações nativas na época dos assentamentos europeus, essencialmente abrindo caminho para os americanos brancos reivindicarem grandes áreas do país sem muita luta. Essa expansão teve tremendos efeitos políticos. Outro exemplo pode ser a criação de colônias européias na África, onde a presença de doença do sono e malária generalizada alteraram os padrões de assentamento e mudaram a história. Certamente, os grupos políticos no poder querem criar a impressão de que está tudo bem, para que possam permanecer no poder. Pode ser do seu interesse minimizar uma epidemia em curso. Por outro lado, os grupos que estão sem poder podem se beneficiar ao dar a impressão de que o fracasso em controlar um surto de uma doença é marca da inaptidão do grupo no poder. E assim por diante. Mas as doenças são apolíticas. Elas matam independentemente da crença política.

FONTE: Nexo Jornal | Por Camilo Rocha

 

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