Hugo Albuquerque, executivo do mercado de energia solar fotovoltaica, escreve neste artigo sobre os impasses do Projeto de Lei 5.829/2019.

Sem Geração Distribuída, o Brasil poderá ter um modelo de energia realmente sustentável?

Brasília abrigou, na terça-feira passada (08/06), uma manifestação em prol do futuro da energia no Brasil. O ato fez parte de uma campanha da Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD) e do Instituto Nacional de Energia Limpa e Sustentável (Inel), think tank do setor, pela aprovação do Projeto de Lei no 5.829/2019, de relatoria do deputado Lafayette de Andrada (Republicanos/MG). A proposta vem sendo alvo de muita contestação, mas fundamenta-se em amplo debate público e, de modo geral, soa bastante razoável.

 

O PL 5.829 procura o melhor consenso possível entre o Executivo, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e o setor de Geração Distribuída (GD), que floresceu no Brasil a partir de mudanças normativas estabelecidas em 2012.

 

Tais mudanças impulsionaram o surgimento de “prosumidores”, ou seja, consumidores que também geram sua própria energia. Em diversos países, especialmente nos membros da OCDE, tem sido habitual os consumidores receberem incentivos para empreender nesse sentido, até como forma de “limpar” a matriz energética das nações.

 

No Brasil, contudo, o governo preferiu não seguir a mesma linha. Para não sangrar os cofres públicos, optou-se pelo sistema de compensação, o que fez muito sentido. Mesmo que comedida, essa resolução passou a incomodar as concessionárias de quatro anos para cá, quando a potência instalada da energia solar no país saltou de 0,9 gigawatt para a recém-anunciada marca de 9 gigawatts. Ainda assim, menos de 0,7% das Unidades Consumidoras (UCs) brasileiras utilizam energia solar ou recebem crédito por ela.
Das cerca de 24,5 milhões de novas UCs que se conectaram ao sistema elétrico nacional de 2009 para cá, somente 500 mil aderiram à GD. Mas setores contrários têm procurado pintar a tecnologia como um problema, evitando riscos futuros aos seus negócios. Algo similar aconteceu no país no final da década de 1990, quando o mercado livre de energia penou para ser legalmente aprovado.
Por meio de campanhas na mídia e nas redes sociais, os opositores têm procurado difamar a GD, disseminando a ideia de que os prosumidores utilizam de graça a infraestrutura de distribuição, onerando os consumidores comuns. Convém lembrar, no entanto, que mesmo quem é autossuficiente em eletricidade graças à energia solar continua pagando o valor mínimo às concessionárias, no qual está embutida a Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (Tusd) – também conhecida como “tarifa de fio”.

Hugo Albuquerque

Mudando um pouco o teor da mensagem aqui e ali, o grupo do contra também argumenta que a aprovação do PL 5.829 vai armar uma bomba tarifária para a população e favorecer os ricos. Nada disso se sustenta. A energia solar tem viabilizado projetos fantásticos em povoados indígenas, favelas e outras localidades não atendidas pela rede atual. Também tem potencial para elevar a competitividade da agricultura familiar e das cooperativas do campo, cujas contas de luz representam grande parte das despesas.

As resistências são previsíveis, uma vez que a GD mexe com todo um status quo. Mas a verdade insofismável é que o modelo atual, baseado em usinas hidrelétricas e redes de transmissão mastodônticas, que geram perdas enormes, não tem se mostrado sustentável – em qualquer sentido. Vivemos uma crise hidrológica gravíssima. Todas as termelétricas foram acionadas, o que vai gerar passivos ambientais e aumentos nas contas de luz. Diversos especialistas apontam que o risco de racionamento é real. Na tão sonhada saída da pandemia, poderemos conviver com ameaças de novos apagões…
Já que falamos das termelétricas, também vale lembrar: porque essa e outras soluções menos eficientes ou poluentes são subsidiadas, porém sem a mesma contestação da energia solar? Não existem, curiosamente, protestos contra o custeamento de quase R﹩ 8 bilhões anuais, cotizado entre todos os brasileiros, para a Conta de Consumo de Combustíveis (CCC), que subsidia o carvão mineral utilizado nas usinas de energia térmica. E por que até mesmo outras tecnologias renováveis, como a energia eólica, são incentivadas – por exemplo, pelo Proinfa (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas) – sem gerar tanto antagonismo? Tudo leva a crer que o caráter democrático da energia solar é o que de fato tira o sono do establishment energético no Brasil.

 

É importante esclarecer que o PL 5.829 entende que a GD deve, sim, perder os incentivos – mas não de forma abrupta, e sim ao longo de um período determinado (25 anos, na proposta original). Isso garante segurança jurídica e demais condições para uma tecnologia altamente benéfica às pessoas e ao planeta manter-se competitiva e viável.

Segundo projeções da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a imposição de regras duras à GD pode frustrar, em dez anos, a instalação de mais de 19 gigawatts, investimentos privados de mais de R﹩ 85 bilhões, a criação de 570 mil vagas de trabalho e a arrecadação de R$ 27 bilhões em novos tributos. Temos condição de abrir mão disso tudo? Quem pagará essa conta?

 

O autor do texto, Hugo Albuquerque, é executivo com mais de dez anos de atuação no mercado de energia solar fotovoltaica, tendo passagens por grandes multinacionais do setor. Atualmente, é CEO da Sunny Store, empresa de soluções em Geração Distribuída.

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