O Conselho Pastoral dos Pescadores é uma pastoral social ligada a Comissão Episcopal Pastoral para a Ação Social Transformadora da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), está presente em 13 estados e atua há mais de 50 anos junto aos pescadores e pescadoras artesanais, colaborando com os processos de promoção e transformação das estruturas geradoras de injustiça para as comunidades pesqueiras.

Relatório traz dados dos principais conflitos socioambientais que ameaçam as comunidades pesqueiras

Vítimas dos últimos grandes crimes ambientais do Brasil, os pescadores e pescadoras artesanais continuam invisibilizados e têm o seu modo de vida ameaçado

O Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP) lançou nessa terça-feira (29/06), no Dia do Pescador, o Relatório dos Conflitos Socioambientais e Violações de Direitos Humanos em Comunidades Tradicionais Pesqueiras no Brasil. A segunda edição da publicação do CPP registra dados de 434 conflitos vivenciados por comunidades pesqueiras em 14 estados do Brasil. O principal objetivo do Relatório é dar visibilidade às ameaças que impactam e colocam em risco o modo de vida dos pescadores e pescadoras artesanais. Um evento foi transmitido pelos canais do CPP no Youtube (Canal no Youtube) e no Facebook (@cppnacional).

Os dados foram levantados nos anos de 2018 e 2019 e trazem informações sobre os tipos de conflitos sociais e ambientais que ameaçam os pescadores artesanais, além de informações sobre os agentes causadores e os impactos desses conflitos nas vidas das comunidades pesqueiras. Vítimas diretas dos maiores crimes ambientais ocorridos no Brasil nos últimos 6 anos, que vão do rompimento da Barragem de Mariana (MG) em 2015, ao derramamento do Petróleo no litoral do Nordeste e de parte do Sudeste do Brasil, em 2019, os pescadores e pescadoras artesanais e os impactos dessas tragédias nas suas vidas continuam, no entanto, invisibilizados. A ocultação desses impactos acontece nas recentes grandes tragédias ambientais, mas ocorre principalmente no processo cotidiano que coloca a manutenção do modo de vida dessas comunidades em risco.

O conflito mais registrado na publicação serve de exemplo. Falta de acesso ao território foi o tipo de conflito mais relatado nos dados levantados, com porcentagem de 11,75% dos casos. A restrição de acesso significa o impedimento dos pescadores e pescadoras artesanais de exercerem a profissão, já que praias, rios e lagos são cercados e ficam fechados para a entrada dos profissionais da pesca. Além desse tipo de situação, mais 19 categorias de conflitos foram relatadas na pesquisa, entre eles, desmatamento, especulação imobiliária e pesca predatória que aparecem respectivamente na segunda, terceira e quarta colocação de casos citados. Bahia é o estado em que houve o maior registro de conflitos, seguido por Minas Gerais e Pernambuco.

O Relatório também revela os principais agentes causadores desses conflitos. As Empresas Privadas lideram o ranking como responsáveis por 24% dos conflitos relatados e são seguidas por Agentes Privados, que aparecem em 21% dos casos.  Os dados indicam ainda o tempo de duração dos conflitos e apontam também as estratégias que têm sido utilizadas pelas comunidades para fazerem o enfrentamento. Em 66% dos casos, os conflitos têm mais de 10 anos.

“Os conflitos contra o nosso povo da pesca artesanal vêm de muitos anos, mas nos últimos anos esses conflitos se intensificaram muito, pois antigamente éramos expulsos de nosso território, mas como esse território tinha uma grande extensão, a gente migrava para outra área e continuávamos sobrevivendo”, relata o pescador do município de Buritizeiros (MG), Clarindo Pereira dos Santos.

A sua comunidade sofreu em 2017 um processo de expulsão do qual até hoje não se recuperou. O território da comunidade ficava localizado à beira do rio São Francisco, em área da União. “A minha comunidade tradicional pesqueira e vazanteira de Canabrava, passou por um conflito muito cruel: fomos expulsos de nosso território pela polícia militar e pelos fazendeiros latifundiários, à mão armada, com seus jagunços, tiraram todas as condições do povo da minha comunidade sobreviver e destruíram tudo que nos restava”, lamenta Clarindo.

Por esse motivo ele vê com otimismo a publicação do Relatório de Conflitos Socioambientais e Violações de Direitos Humanos em Comunidades Tradicionais Pesqueiras. “Acho de grande importância esse relatório sobre esses conflitos pois nossos territórios pesqueiros estão cada dia mais ameaçados e impactados”, defende Clarindo.

A Secretária-executiva do CPP Nacional, Ormezita Barbosa, concorda. “Queremos que essa sistematização de dados se torne um instrumento potente na luta dos pescadores e pescadoras artesanais pela defesa e pela permanência no seu território. Também queremos que essas denúncias trazidas no Relatório possam subsidiar as inúmeras incidências que os pescadores têm feito nos vários poderes”.

Para Barbosa, o Relatório ajudará a apontar as contradições e lacunas do Estado na relação com os pescadores. Ela acredita que apesar dos agentes privados serem os principais causadores dos conflitos, o Estado também tem responsabilidade. “O Estado tem por um lado o papel de não garantir condições como marcos regulatórios, instrumentos jurídicos mais consolidados que reconheça e garanta a permanência dessas comunidades nesses territórios, de forma a reconhecer inclusive esse conceito de Território Pesqueiro. Além disso, o Estado também atua para desmantelar as frágeis medidas que de alguma forma podem reforçar esse pertencimento e essa permanência da comunidade”, critica.

 

Dados da Pandemia e Conflitos

A publicação ainda traz um apêndice com dados levantados no ano de 2021, sobre conflitos que foram provocados ou intensificados pela pandemia. “O levantamento feito no período da pandemia aponta um agravamento das situações de conflito e a produção de novos conflitos como a impossibilidade de circulação de pessoas e o acesso ao auxílio emergencial e outras garantias nesse período” explica o pesquisador Sávio Barros, um dos responsáveis pela organização e redação do Relatório.

Para Barbosa, os dados do apêndice contribuíram para a confirmação de que nos contextos de crise, há um aumento dos empreendimentos que ameaçam as comunidades.

“A gente vive essa grande crise humanitária, sanitária e política, e esses contextos são espaços de facilitação de empreendimentos nos territórios de povos e comunidades tradicionais. Conseguimos fazer esse recorte do quanto isso impacta nos territórios de pescadores e pescadoras. A gente confirma isso no apêndice que é trazido no relatório e a gente confirma isso, de forma mais ampla, apontando a relação disso com as medidas governamentais”, explica.

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