PESQUISADORES TESTAM CERVEJA ENVELHECIDA EM BARRIS DE AMBURANA E CABREÚVA

Árvores nativas no nordeste brasileiro trazem inovação para o mercado de cervejas artesanais. Bebidas envelhecidas em barris de Amburana e Cabreúva apresentaram notas mais complexas, sabores e aromas exclusivos, coloração mais intensa e aspectos amadeirados. Os testes foram feitos no Laboratório de Tecnologia e Qualidade de Bebidas (LTQB), da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, pelo engenheiro agrônomo Giovanni Silvello em sua dissertação de mestrado.

O segmento de cervejas artesanais está em expansão no Brasil e cresceu cerca de 37% no primeiro trimestre de 2017. O estudo traz a possibilidade de criação de uma cerveja genuinamente brasileira, o que é de grande interesse das cervejarias que contam com a inovação de produtos para atender à demanda de crescimento, diz o engenheiro agrônomo.

Com a experiência trazida da Université Catholique de Louvain, na Bélgica, onde cursou o programa de mestre cervejeiro e realizou pesquisas sobre análise sensorial, cromatografia e novos métodos de extração de compostos derivados de dry-hopping (adição de lúpulo) em cerveja, no Brasil, Silvello deu continuidade às suas investigações usando matéria-prima de nossa região. Em 2017 e 2018, já em suas pesquisas de mestrado, ele o passou a acompanhar a evolução química de cerveja acondicionada em barris produzidos com madeiras brasileiras. Para os testes, escolheu Amburana, Cabreúva, Carvalho Americano (a madeira mais empregada na indústria cervejeira) e barril de metal (controle) que não proporciona envelhecimento da bebida.

O resultado obtido nos experimentos surpreendeu em vários aspectos, inclusive no tempo necessário para obtenção de uma bebida com bons indicadores de qualidade, explica Silvello. Acompanhamos o processo de envelhecimento por seis meses. Em geral, o período de maturação pode durar de semana a anos, dependendo do tipo de cerveja e do resultado pretendido.

Há vários fatores que influenciam no resultado do envelhecimento da cerveja, entre eles o tipo da madeira onde o líquido é armazenado. “Além das reações químicas naturais da própria cerveja, ocorrem outras interações entre a madeira e a bebida. Neste processo, há evolução de componentes fenólicos, aeração da bebida, estabilização da cor e do sabor e o surgimento de características amadeiradas que contribuem para aumentar a complexidade da bebida”, explica.

Quanto à pesquisa, as amostras foram acompanhadas mensalmente para identificar periodicamente a evolução das características que definiriam a qualidade da bebida: teor alcoólico, pH, coloração, amargor, compostos fenólicos e compostos voláteis. Depois de seis meses de permanência da cerveja em toneis, os resultados obtidos foram os seguintes: teor alcóolico: Amburana teve um percentual de 11,2%; Cabreúva, 10,1%; e Carvalho, 10,7%. Comparada às cervejas claras (não envelhecidas) e mais comumente consumidas pelas pessoas, a graduação alcoólica da cerveja envelhecida é bem mais alta por ser mais resistente ao processo de maturação, diz o estudo. O teor alcóolico das cervejas mais leves é em torno de 4,5%. Em relação ao pH que está relacionado aos níveis de acidez e alcalinidade da bebida, as graduações apuradas apontaram para a situação de não ter havido acidificação excessiva da bebida, relata Silvello. Amburana teve pontuação de 4,72; Cabreúva, 4,79 e Carvalho, 4,66.

Atributos sensoriais

No final do processo de envelhecimento, a bebida foi submetida a testes sensoriais de sete pessoas treinadas no paladar para identificar atributos específicos, como sabor, aroma, aspectos visuais e sensações. Os provadores tiveram como referência a cerveja não envelhecida para determinar as características da bebida dos toneis de Amburana e Cabreúva. Nesta etapa, foi avaliada a tonalidade da bebida em escala EBC (medida de cor). A coloração mais escura ficou para Cabreúva, 73,4 pontos. Amburana e Carvalho obtiveram 58,8 e 59,4, respectivamente.

Quanto aos atributos e sensações percebidas pelas pessoas no painel sensorial, a cerveja envelhecida em barril de Amburana apresentou aromas amadeirados, torrado, fenólicos, tabaco e canela. A de Cabreúva, os avaliadores destacaram um a coloração mais intensa, aroma de cumaru, caramelo, chocolate, noz moscada e herbáceo.

Na escala de amargor em IBU (medida utilizada para definir nível de amargor), característica fundamental que determina a personalidade da cerveja, a Amburana teve a mais alta pontuação, 80,9 contra 43,8 para Cabreúva e 21,4 para o carvalho. Nesse quesito, Giovanni explica que embora essa medida seja relacionada à intensidade de amargor, esse atributo não foi confirmado nos testes sensoriais, podendo estar relacionado à medição de resinas extraídas da madeira. O gosto amargo esteve mais próximo na descrição da amostra de uma cerveja não envelhecida.

Com relação aos compostos fenólicos totais, Amburana alcançou 841,3 pontos, Cabreúva, 910, e Carvalho 660,3. Segundo o engenheiro, a extração de compostos fenólicos está relacionada tanto ao tempo de contato com a madeira quanto à composição química da espécie utilizada em tanoaria.

A partir desses resultados, é possível considerar que as madeiras avaliadas apresentaram grande potencial na aplicação do envelhecimento de cerveja. “Os atributos sensoriais proporcionados por essas espécies podem ser importantes na formulação de novos produtos e conferir tipicidade às cervejas brasileiras”, avalia o pesquisador.

Quanto aos próximos passos da pesquisa, “a proposta seria estudar a composição de aroma por cromatografia gasosa utilizando uma técnica denominada fingerprinting (impressão digital),que determina o perfil aromático das cervejas e depois fazer comparação com resultados sensoriais”. Em seguida, deve ser realizado estudo com consumidores para averiguar a aceitação de produtos desse tipo, e por fim, as cervejarias poderiam explorar o envelhecimento em barris de madeiras brasileiras empregando as técnicas adequadas para garantir produtos de alta qualidade.

A dissertação de mestrado Qualidade química e perfil sensorial da cereja envelhecida em barris de diferentes madeiras foi orientada pelo professor André Ricardo Alcarde, coordenador do Laboratório de Tecnologia e Qualidade de Bebidas da Esalq.

Agência de Notícias da USP

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