Pesquisadores acadêmicos analisam como o brasileiro nunca esteve tão munido de recursos midiáticos como agora, mas não os utiliza adequadamente
Com mais de 500 mil mortos no Brasil, em razão da pandemia da COVID-19, o país parece enfrentar um cenário surreal. À medida que as mortes diárias aumentam, aglomerações seguem se formando em festas clandestinas e em outros eventos proibidos, muitas pessoas se recusam a usar máscaras, mesmo diante de um bombardeamento midiático e imagético sobre a gravidade da situação, especialmente no Brasil. O que está acontecendo? Para o Prof. Dr. Jack Brandão, especialista em estudar o poder da imagem na sociedade e considerado um dos pesquisadores referência no assunto, quanto mais notícias ruins são veiculadas, menos os indivíduos são envolvidos por elas.
Segundo o pesquisador, o papel dos líderes governamentais também é fundamental na condução de uma situação crítica como a atual. “Se o líder despreza a gravidade do problema, desrespeitando, inclusive, os protocolos sanitários, ele acaba influenciando, negativamente, uma parcela da população a adotar a mesma postura”, ressalta o pesquisador, que é diretor de um centro de estudos imagéticos, juntamente com outros pesquisadores acadêmicos, o CONDES-FOTÓS Imago Lab.
Ao analisar o papel da mídia na divulgação da pandemia da COVID-19, a jornalista Mariana Mascarenhas, pesquisadora do CONDES-FOTÓS, ressalta que o Brasil nunca enfrentara uma crise pandêmica provido de tantos recursos midiáticos como no momento. No entanto, na visão dela, eles estão sendo mal utilizados por aqueles que estão presos às chamadas bolhas digitais, ou seja, acessam apenas as informações coerentes com suas crenças e se recusam a enxergar a totalidade das informações.
“A popularização da internet nos trouxe benefícios inquestionáveis com a ampliação do acesso às informações, praticamente em tempo real, permitindo maior conhecimento do que está acontecendo, afinal nem sempre foi assim.”
Ela ressalta dois períodos atípicos no Brasil, em que o acesso informacional era muito mais limitado, se comparado com os dias de hoje: 1918, quando o mundo lidava com a Gripe Espanhola, que, segundo a OMS, dizimou 50 milhões de pessoas no mundo e 35 mil no Brasil; e 1974, quando o país foi assolado por um surto de meningite em plena ditadura militar.
Brandão concorda com a jornalista e ressalta como tal panorama da época dificultava, até mesmo, o entendimento populacional sobre o que estava acontecendo. “Em 1918, o principal meio informacional (no Brasil) era o jornal impresso e, ainda assim, se destinava a uma pequena parcela da população, enquanto que uma grande parte não tinha acesso a nenhuma notícia. Assim, muitos adoeciam e/ou morriam sem saber que estavam com a Gripe Espanhola”, diz o pesquisador. O professor ainda ressalta que, justamente por isso, o número de brasileiros mortos pela doença, provavelmente, foi muito superior a 35 mil, considerando a falta de meios para mensurar os dados e o número total de mortos em todo o mundo.
Já em 1974, Mariana nos recorda que, embora muitos cidadãos já possuíssem meios comunicacionais como o rádio e a TV, era o governo militar que proibia qualquer veiculação sobre a doença, a fim de omitir o colapso do sistema de saúde do Brasil causado pelo surto de meningite.
Nesse período, de acordo com Brandão, somente na cidade de São Paulo, 2500 pessoas morreram em decorrência da meningite, cuja taxa de mortalidade era em torno de 12% a 14%, acometendo, principalmente, as crianças. “Porém, o governo militar ocultava todos os dados, a fim de não mostrar sua inépcia em relação à saúde. A situação começa a mudar quando a meningite, que já havia se alastrado pelas periferias paulistanas, começa a atingir os bairros ricos de São Paulo, de modo que já não era mais possível esconder o número de óbitos.” Diante disso, o professor ressalta como muitos perdiam seus filhos, sem saber o que estava acontecendo.
Brandão volta ainda mais no tempo para abordar outra doença que se alastrou pelo Brasil sem o conhecimento de muitos: a tuberculose. Conhecida como peste branca, estudiosos estimam que, entre os anos de 1700 e 1900, ela tenha causado, aproximadamente, 1 bilhão de mortes no planeta.
“Por incrível que pareça, na passagem do século XVIII para o XIX, a tuberculose era considerada uma ‘enfermidade romântica’. Artistas tinham o prazer de dizer que estavam com ela. Eles enxergavam beleza na morte. Mas, aos poucos, essa aura romântica declinou e os cientistas perceberam que se tratava de uma doença perniciosa ligada à miséria e à pobreza”.
Na metade do século XIX, portanto, ela já havia se tornado um mal social, de modo que os doentes eram isolados. Mas, é somente no final desse século, quando a bactéria causadora da tuberculose é descoberta, que começa a se buscar tratamento e uma vacina. “Até então, muitos pensavam que tal enfermidade acometia apenas os boêmios, os artistas ou os desregrados socialmente, sem contar que a média de óbitos era de 7 milhões de pessoas ao ano”, completa o professor. Vemos, então, como a falta de informação sobre a doença levou a um cenário catastrófico.
Portanto, analisando os períodos anteriores ressaltados e o momento atual, percebemos que de nada adiantarão os recursos informacionais disponíveis hoje, se determinada parcela da população não romper suas bolhas, muitas vezes feitas de inverdades, para enxergar a realidade ao redor e o caos instaurado no Brasil. Para saber mais, acesse os vídeos produzidos pelos pesquisadores em seu canal no YouTube aqui e aqui.