Associação denuncia queda histórica de preços, questiona a falsa narrativa da economia verde e pressiona por decreto de estímulo à logística reversa
João Paulo Sanfins, representante da terceira geração à frente da CRB (Comércio de Resíduos Bandeirantes), empresa fundada por seu avô em Belo Horizonte (MG) há 50 anos, enfrenta diariamente os desafios de um negócio familiar em meio a um cenário de instabilidade no segmento de reciclagem de papéis no Brasil. Além disso, atuando como vice-presidente da Associação Nacional dos Aparistas de Papel (Anap), composta por 55 associadas, ele possui uma visão ampla da crise histórica que afeta o setor, agravada no período pós-pandemia da Covid-19.
Sanfins destaca o excesso de estoques nacional e global, juntamente com a preferência das indústrias de embalagens de papel pela celulose virgem, como as principais causas do cenário atual. Ele alerta para a importância das dimensões social e ambiental, além da questão econômica, que estão em risco no país. Enfatiza que essa situação não é viável a longo prazo. Como líder de uma empresa que emprega aproximadamente 120 pessoas e possui 2 mil fornecedores na Região Metropolitana de Belo Horizonte, ele menciona que, devido à crise, têm buscado dialogar com os concorrentes, pois todos estão enfrentando perdas significativas.
O setor de reciclagem, que emprega cerca de 40 mil pessoas diretamente, coletou 4,9 milhões de toneladas em 2022, mas deve encerrar 2023 com uma queda significativa, conforme previsto pela Anap. Estimativas preliminares indicam que 67 empresas do país coletaram 1,6 milhão de toneladas no ano passado, representando 33% do volume do ano anterior. O vice-presidente da Anap destaca a dificuldade em equilibrar os aspectos ambiental, social e econômico nesse ramo de atividade.
Os preços do mercado de reciclagem refletem a crise, com o preço do papelão caindo de R$ 2,00 por quilo durante a pandemia para R$ 0,50 no ano passado, afetando catadores e recicladores. Sanfins observa que todos enfrentaram prejuízos e tiveram que vender ativos para sobreviver, indicando um retrocesso no setor.
Ele ressalta que os preços desse mercado são influenciados pela oferta e demanda internacional, afetados pela crise sanitária e pela formação de estoques globais. Além disso, a concentração das grandes indústrias de produção de embalagens no Brasil impacta o mercado.
Sanfins faz um apelo ao governo para um tratamento diferenciado aos recicladores e para valorizar a reciclagem. Ele destaca a tributação duplicada sobre o material reciclável e a necessidade de avanços na Política Nacional de Resíduos Sólidos. O setor aguarda com expectativa a tramitação do Projeto de Lei 4.035/2021, que propõe isenções fiscais para vendas de materiais recicláveis às grandes indústrias.
Enquanto aguardam soluções, Sanfins apela aos consumidores para serem mais exigentes com as empresas em relação ao uso de materiais recicláveis na produção industrial, questionando como tornar a sustentabilidade mais do que apenas um discurso.
Reciclagem e sustentabilidade no Brasil?
Anice Torres, diretora do Centro de Reciclagem Rio (CRR), partilha das preocupações do vice-presidente da Anap sobre a prática real de sustentabilidade no setor empresarial brasileiro. Com mais de duas décadas de atuação no Rio, ela destaca os desafios enfrentados no mercado de reciclagem, especialmente no segmento de papel e papelão.
Anice menciona a preferência das empresas pela celulose virgem devido às pequenas perdas no processo industrial e à atratividade dos preços atuais, resultando na falta de incentivo para o material reciclável. Ela ressalta a necessidade de imposições legais para mudar essa realidade, como um decreto presidencial que obrigue os produtores de embalagens a adquirir parte da matéria-prima reciclável.
Diante da queda na coleta de papel e papelão pelos catadores, Anice destaca a importância de melhorar os preços pagos a eles para evitar mais prejuízos e desperdício. A CRR, mesmo com infraestrutura para mais, opera abaixo da capacidade devido à crise atual.
Eduardo Fernandes, gerente técnico da empresa, destaca a dupla tributação como um grande obstáculo para avanços no setor e defende incentivos financeiros, determinações legais e fiscalização da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) para promover a sustentabilidade real.
Anice e os representantes da Anap defendem a criação de mecanismos de comprovação verificáveis por certificadoras sobre o uso de materiais recicláveis pelas indústrias no Brasil, visando combater o greenwashing e promover uma economia verde genuína.
Klabin não é responsável pela crise
Executivos da Klabin, maior produtora e exportadora de papéis para embalagens do Brasil, afirmam que a crise no mercado de recicláveis não é responsabilidade da empresa, mas sim resultado de uma conjuntura global com excesso de oferta em estoques industriais formados desde a pandemia. Eles esperam uma melhora no cenário este ano, com sinais de recuperação econômica observados nos primeiros meses.
Durante a pandemia, houve uma explosão de consumo que afetou a logística globalmente, levando a altos estoques e queda nos preços pós-pandemia. A Klabin precisou exportar minimamente para atender à demanda interna e parou de comprar aparas em 2023 devido à falta de escoamento de papel. A empresa não pôde hibernar máquinas de fabricação de celulose devido à competitividade da fibra virgem no mercado internacional.
Os diretores destacam sinais de recuperação na demanda interna nos primeiros meses deste ano, levando à retomada de máquinas paradas no setor de reciclagem. A Klabin tem capacidade para produzir 4,6 milhões de toneladas anuais de papel e celulose, com 22 fábricas no Brasil e uma na Argentina. A empresa gera 25 mil empregos diretos e indiretos, com vastas áreas florestais certificadas.
O setor de celulose no Brasil se destacou em 2022, tornando-se o maior produtor e exportador mundial. Apesar da importância socioeconômica, o avanço das monoculturas exóticas como o pinus e eucalipto gera controvérsias ambientais. O Brasil receberá investimentos significativos no setor nos próximos anos, consolidando-o como um dos maiores investidores privados do país.
Preços baixos
Especialistas alertam que, apesar do papel e papelão continuarem sendo materiais recicláveis amplamente coletados no Brasil, grande parte desses recursos pode estar sendo destinada a aterros sanitários e lixões devido à desmotivação dos catadores devido aos baixos preços. Esse cenário crítico na gestão de resíduos sólidos pode intensificar os impactos ambientais, desde a extração de celulose até o descarte inadequado das embalagens pós-consumo. Os catadores enfrentam redução significativa na remuneração pela coleta desses materiais, trabalhando mais para receber menos.
Trabalho dobrado
Luiz Carlos Santiago, líder do cooperativismo na Zona Norte do Rio, enfrenta uma grave crise no segmento de coleta, especialmente de papelão, na Cooperativa dos Trabalhadores do Complexo de Bonsucesso (Cootrabom), que preside. O preço do papelão coletado caiu drasticamente de R$ 1,00 para R$ 0,40 entre 2022 e 2023, exigindo que os 25 cooperados dobrem seus esforços para ganhar metade do que recebiam anteriormente. Ele destaca a dificuldade das cooperativas menores em obter escala para vender recicláveis diretamente às empresas, precisando negociar com atravessadores a preços ainda mais baixos.
Santiago aponta que a pandemia e a preferência por matéria-prima virgem pelas fabricantes de papel e plástico têm impactado os preços dos materiais recicláveis, que não são reajustados há três anos. Para contornar a crise, a cooperativa tem focado em serviços de coleta para empresas cumprindo metas de logística reversa da PNRS. Ele destaca a importância do diálogo com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima para ampliar a coleta seletiva na cidade, proporcionando renda extra aos catadores e melhorando a qualidade ambiental, em conformidade com a PNRS.