Uma reforma tributária está em curso no Brasil através da Proposta de Emenda à Constituição – PEC 45/2019, que mesmo após quase 20 anos aguardando os trâmites do Congresso Nacional e avançar em relação à simplificação do sistema tributário vigente, tem sido alvo de divergências e críticas, principalmente pelo entendimento da quebra do pacto federativo com a mudança na competência tributária de estados e municípios.
O pacto federativo nada mais é do que o conjunto de dispositivos constitucionais que configuram a moldura jurídica, as obrigações financeiras, a arrecadação de recursos e os campos de atuação dos entes federados, que de acordo com a Constituição de 1988, é composta pela conjunção de competência indissolúvel de estados, municípios e Distrito Federal.
“No texto da PEC que simplifica o sistema tributário está prevista a criação de um único imposto sobre consumo. A proposta cria o IVA – Imposto de Valor Agregado dual, com duas frentes de cobrança para substituir os atuais cinco tributos”, explica Angel Ardanaz, advogado na Ardanaz Sociedade de Advogados e Professor Universitário nas disciplinas de Direito Empresarial e Direito Tributário.
Os impostos federais IPI, PIS e Cofins serão substituídos pela CBS – Contribuição Sobre Bens e Serviços e começa a vigorar em 2026, sendo adotada de forma generalizada em 2027. Já os tributos estadual ICMS e municipal ISS serão substituídos pelo IBS – Imposto Sobre Bens e Serviços e terá adoção gradual entre 2029 e 2032.
“No texto da PEC está clara a desconfiguração do projeto originário do Baleia Rossi, atual Presidente do MDB. Ainda temos, com a quebra do pacto federativo, o prejuízo dos estados e municípios, o que vai contra o espírito da Constituição de 1988, que democratiza justamente a autonomia da união, estados e municípios”, diz Ardanaz.
A reforma apresentada avança em relação à simplificação do sistema tributário vigente. Contudo, ela poderia ser melhor debatida e trabalhada, de modo a construir um sistema que, além de confirmar em números a neutralidade, sem aumento da carga, permitisse à sociedade uma ampla discussão no Congresso Nacional de sua afetação, ao invés de uma apressada votação em prazo recorde.
“O setor de serviços deve ser afetado de forma negativa, pois numa simples simulação é inegável concluir que haverá aumento real da carga: dos atuais PIS com 0,65%, Cofins com 3% e ISS entre 2% a 5%, a depender município, num total de 8,65% para 25% de alíquota estimada com a reforma tributária. É preciso também considerar que o setor não detém grandes créditos gerados, bem como o imposto de renda, que somado a tal, pode tributar conjuntamente um montante superior a 35%”, pondera o advogado.
Há ainda, com relação ao IPTU, para agrado aos prefeitos, a possibilidade de aumento por decreto de sua base de cálculo, o que pode gerar uma problemática.
Outro ponto de destaque é a tributação da renda, que já entrou em debate. A proposta para reforma na tributação da renda pretende tratar de temas como imposto de renda e taxação do lucro de empresas. Já a progressão tributária incidirá sobre o ITCMD, o imposto sobre herança, e será cobrado de acordo com o valor da transmissão de patrimônio.
A PEC prevê que a arrecadação dos impostos vai migrar do local de origem para o ponto de consumo, ponto positivo que acaba com a guerra fiscal. Essa transição vai ocorrer ao longo de 50 anos, entre 2029 e 2078.
Além disso, serão criados o Fundo de Desenvolvimento Regional, para a redução de desigualdades regionais, tendo como alvo os estados menos desenvolvidos e o Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais, para compensar perdas com o fim dos benefícios proporcionados, por exemplo, por descontos do ICMS.
“Aguarda-se, então, a tramitação no Senado, sendo que se espera que não deva ocorrer significativas mudanças no texto da PEC. Grande ceticismo existe sobre a tal neutralidade da reforma, sendo sempre oportuno relembrar Margaret Thatcher: ´não existe essa coisa de dinheiro público, existe apenas o dinheiro dos pagadores de impostos´”, lembra Ardanaz.
Poderia ser mais eficiente simplificar e reduzir os tributos com ênfase em redução dos gastos públicos e maior autonomia dos empregadores. Um exemplo disso foi a Suécia, que em razão de uma reforma tributária iniciada em 1970, elevou os impostos até 1991 e viu seu crescimento ser muito inferior quando comparados com seus pares europeus.
Após esse longo período de não crescimento econômico, a Suécia providenciou uma nova reforma tributária, com a redução do Imposto de Renda corporativo de 57% para 30%, sendo o imposto sobre dividendos zerado e o imposto de ganhos sobre capital trazido a 12,5%.
E foi além. Em 2004, o imposto sobre patrimônio também foi abolido. Em 2013, o Imposto de Renda corporativo caiu ainda mais e foi para 22%, e o tributo sobre propriedade foi reduzido. Com essas providências o PIB – Produto Interno Bruto sueco foi superior aos da Alemanha, França e Itália.
“Poderíamos, a bem da verdade, aprender com o exemplo da Suécia para ter uma reforma tributária dinâmica e eficaz, sem abertura de tantas exceções e necessidade de grandes ajustes daqui alguns anos, correndo risco de entrarmos em nova recessão pelo peso de nosso Estado nos ombros do contribuinte”, finaliza Ardanaz.