Iniciativa privada vai remunerar propriedades que têm área passível de desmatamento legal para que mantenham floresta em pé
Um projeto piloto lançado nesta terça-feira, 6, vai oferecer um pagamento a produtores rurais da Amazônia Legal que decidirem conservar áreas que poderiam, dentro da lei, serem desmatadas. A ideia é oferecer uma compensação financeira para manter essas florestas em pé.
Essa é uma queixa antiga de proprietários de terra na região, que reivindicam algum tipo de renda pela conservação de florestas. O tema é debatido no legislativo há muitos anos e há alguns projetos de executivos estaduais e federal nesse sentido, mas que ainda não entraram em prática.
O Conserv, lançado nesta terça, é uma iniciativa do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), em parceria com o Fundo de Defesa Ambiental (EDF), baseado nos Estados Unidos, e do Centro de Pesquisa Climática Woodwell, em Massachusetts, Estados Unidos. O Ipam vem nos últimos anos elaborando estudos para oferecer soluções mais lucrativas do que o desmatamento.
Com uma verba de cerca de R$ 24 milhões da Noruega e da Holanda, trata-se de um mecanismo privado de compensação pelo chamado excedente de Reserva Legal, ou seja, para áreas que foram mantidas de pé além do que é estabelecido pelo Código Florestal.
Por lei, propriedades rurais na Amazônia Legal têm de preservar 80% (se forem localizadas no bioma Amazônia) ou 35% (se no Cerrado). O grupo estimou que cerca de 23 milhões de hectares em toda a região podem ser considerados excedentes e seriam passíveis de desmatamento legal – somente o Mato Grosso detém 7 milhões de hectares nessas condições.
“A questão não é se essas área serão desmatadas, mas quando. Com esse projeto, estamos tentando evitar esse desmatamento e criar incentivos para que isso se torne um novo negócio. O produtor ganha por sua lavoura, por sua pecuária, mas também pela mata que preservar”, disse ao Estadão Marcelo Stabile, pesquisador do Ipam e coordenador geral do Conserv.
Ao longo de três anos, o grupo fez um mapeamento de áreas dos dois biomas na Amazônia Legal que têm esse tipo de excedente e estão sujeitas à pressão por desmatamento – o que poderia fazer com que muito em breve elas acabassem suprimidas. O trabalho levantou de 20 a 30 propriedades que juntas somam cerca de 20 mil a 30 mil hectares que se encontram nessa situação, mas mas que também são consideradas prioritárias para a conservação, e que poderiam ser envolvidas no projeto ao longo dos próximos três anos.
Para o lançamento, o Conserv já conta com a adesão voluntária de sete propriedades que somam 6.500 hectares no município de Sapezal (MT). Nos próximos meses deve aderir também a região onde opera a chamada Liga do Araguaia, no leste do Estado, que já reúne agricultores com objetivos conservacionistas e mais três municípios do MT e do Pará.
Cada um vai receber entre R$ 200 e R$ 400 por hectare conservado por ano, pelos próximos três anos. A variação de valor ocorre com base no potencial de serviços ambientais prestados pela mata presente em cada propriedade – como grau de conservação, importância para a proteção da biodiversidade, estoque de carbono, água, conectividade com outras áreas verdes.
Entra no cálculo também a pressão por desmatamento sofrida pela propriedade. A partir dessas contas, é feita uma negociação com os produtores. “O envolvimento desses produtores que conservam além do que a lei requer não tem hoje reconhecimento da sociedade em geral, de quem compra deles”, disse Stabile.
Ideia é replicar para proteger mais áreas
“Identificamos uma oportunidade para engajar produtores rurais médios, grandes, gigantes em processos de conservação. A ideia desse mecanismo é que ele funcione como um grande indutor de um debate para ter soluções para harmonizar a produção agropecuária com a conservação para termos, no menor tempo possível, o fim do desmatamento”, complementou André Guimarães, diretor-executivo do Ipam, durante coletiva à imprensa de lançamento do Conserv.
Os dois frisaram que o projeto começa como um piloto, mas tem potencial para ser replicado para os 23 milhões de hectares passíveis de desmatamento legal na Amazônia. “A gente não está falando que essa área toda tem de ser paga para ser conservada já amanhã, mas temos de começar de algum modo para criar mecanismos que se tornem perenes a fim de alcançarmos uma produção sustentável para o País. Do ponto de vista econômico, os benefícios da conservação são maiores do que o custo de preservar a floresta”, disse Stabile.
Segundo ele, a ideia é envolver não somente outros produtores, mas também outros financiadores, mas o projeto também pode incluir outras formas de remuneração com o passar do tempo. “Agora estamos pagando direto para o produtor, mas em três anos podemos pensar em arranjos de mercado diferentes, como um preço diferencial para o produto dessa fazenda, um crédito diferencial, vamos discutir essas coisas para ganhar a escala.”
Para participar do projeto a propriedade precisa, além de ter excedente de áreas conservadas, estar com os títulos corretos, ter registro no Cadastro Ambiental Rural (CAR) e não ter infrações ambientais e civis. A análise dessas condições é contínua ao longo da participação no projeto, assim como o monitoramento da área por satélite para checar eventuais desmatamentos.
Projeto federal Floresta +
Em junho deste ano, o Ministério do Meio Ambiente lançou o programa Floresta+, com a proposta de também pagar por vegetação conservada. O programa vai usar uma verba de R$ 500 milhões do Fundo Clima, como resultado de queda nos desmatamento observada na região em anos anteriores, dentro da premissa de remuneração por resultados. Desde o início da gestão Bolsonaro, o desmatamento na Amazônia apresentou seguidas altas.
De acordo com nota do Ministério do Meio Ambiente divulgado à época, “poderão ser reconhecidas e beneficiadas em todo território nacional diversas categorias fundiárias, sejam elas áreas privadas, de preservação permanente e de uso restrito, assentamentos, terras indígenas ou unidades de conservação, desde que tenham atividades de proteção e conservação de recursos naturais”.
FONTE: Estadão Sustentabilidade