Moda luxo sustentável

“O novo luxo é ser sustentável”, afirma herdeiro da Chanel

David Wertheimer, que lidera um fundo de investimentos para garimpar práticas sustentáveis na produção de roupas, sapatos e acessórios, já está de olho em pelo menos dois negócios no Brasil

 

Herdeiro da grife francesa Chanel, uma das principais marcas de luxo do mundo, David Wertheimer acredita que o Brasil pode ser um celeiro para exportar práticas sustentáveis aplicadas à moda. Membro da quinta geração da família à frente do império de luxo, o executivo lidera um fundo de investimentos que vai garimpar práticas sustentáveis para produção de roupas, sapatos e acessórios — e já está de olho em pelo menos dois negócios no Brasil.

Embora os contratos ainda não estejam fechados, por aqui o fundo que Wertheimer montou em parceria com o banco suíço Mirabaud tem interesse em tecnologias extraídas da cana-de-açúcar que possam substituir outros materiais usados em sapatos, como o plástico e a borracha não-orgânica.

— Estamos olhando para um conjunto de marcas que são completamente sustentáveis, ligadas à cana-de-açúcar, usando couro reciclável e outros materiais reciclados — disse o empresário em entrevista ao jornal Estado de São Paulo.

O fundo, que está em fase adiantada de captação, deve concentrar o equivalente a R$ 1,3 bilhão. Na mira de Wertheimer estão tanto marcas já estabelecidas quanto iniciativas em estágio mais embrionário, que receberiam cheques menores, dentro do conceito de venture capital. Para encontrar boas práticas no país, o fundo procurou a ajuda do Instituto E, comando pelo empresário Oskar Metsavaht, dono da Osklen, que há mais de 20 anos desenvolve práticas ambientalmente corretas.

A busca do fundo pela moda sustentável vai se espalhar também pela Europa e pela Ásia. E canais de venda que reforcem o posicionamento sustentável das marcas também estão na mira de Wertheimer.

— Também procuramos novas formas de vender online, de comunicação para facilitar as negociações, e olhamos como as pessoas vão abordar o consumo daqui em diante — afirmou ele.

Entre as referências do empresário está a marca francesa de calçados Veja, que montou uma linha de produção sustentável no Brasil, chamada Vert.

O esforço para unir moda e sustentabilidade faz sentido, já que o setor é o segundo mais poluente do mundo. De acordo com artigo publicado na revista Nature em abril, 20% da poluição de água pelo setor industrial está concentrada na produção de têxteis, que responde por 35% das micropartículas de plástico que vão parar no fundo do mar todos os anos.

As redes de fast-fashion, que pregam uma moda de uso rápido e descartável, contribuíram para que a produção de roupas dobrasse em 20 anos — o que amplia o desafio de descarte de materiais.

Luxo acessível

Sem se afastar totalmente do DNA da Chanel, Wertheimer quer focar no que se chama de “luxo acessível” – conceito que, cada vez mais, estará ligado a empresas que têm um impacto reduzido para a sociedade e a natureza.

— O novo luxo é ser sustentável. A minha visão é que sustentabilidade é a chave para todas as marcas que virão no futuro — opinou.

Wertheimer acompanha as discussões sobre o desmatamento da Amazônia, mas não quis comentar o tema diretamente.

— O que eu posso dizer é que, no meu setor, vou tentar fazer os melhores investimentos, os mais sustentáveis e os que têm melhor impacto para a população.

Osklen, Vert e a sustentabilidade possível

Uma das principais referências quando o assunto é a associação de moda e sustentabilidade, o empresário Oskar Metsavaht, fundador da Osklen, diz que as marcas devem abraçar a causa sustentável sem perder de vista a viabilidade financeira do negócio. É melhor escalar a montanha pouco a pouco do que tentar atingir o topo em um tiro só – assim, não se regride na busca de práticas menos poluentes, nem a empresa é obrigada a fechar as portas.

O conceito defendido por Metsavaht é “as sustainable as possible”, ou seja, uma atuação tão sustentável quanto possível. Ele lembra o caso de um desenvolvimento, anos atrás, de uma camiseta da Osklen feita 100% de algodão orgânico, mas cujo preço final – mesmo para uma marca premium – era inviável para o cliente. Depois disso, ele percebeu que é melhor dar passos mais curtos.

— A gente tinha duas opções: ou parar o projeto ou fazer de outra forma. E com 80% de algodão normal e 20% orgânico, vimos que era viável — lembrou Metsavaht. — O importante é ser transparente: é a pessoa olhar e ter a informação sobre a composição daquela peça.

A orientação sustentável da Osklen começou em 1998, a partir de uma parceria da Embrapa para plantar algodão orgânico. Desde então, a companhia evoluiu sua cadeia produtiva para trabalhar com uma variedade de matérias-primas e processos alternativos – como tecido feito a partir de garrafas pet recicladas, “couro” de escama de peixe e desenvolvimento de tinturas naturais – e recebeu vários reconhecimentos internacionais por seu trabalho.

Apesar de a Osklen ter sido vendida para o grupo Alpargatas – que também é dono das sandálias Havaianas -, Metsavaht continua a atuar como diretor criativo da marca. Ele não dá apenas o direcionamento sobre as últimas tendências de moda, mas continua a tocar projetos para ampliar a “pegada” sustentável da empresa.

Brasil + França

Transparência também é o nome do jogo na marca francesa Veja – que é conhecida no Brasil como Vert. A companhia, que é sucesso entre os jovens “descolados” na Europa, desenvolveu toda a sua cadeia de produção no Brasil. O algodão é orgânico, plantado no Nordeste, e a borracha é extraída de forma sustentável na floresta Amazônica.

— Mas isso não quer dizer que sejamos perfeitos. E a gente deixa isso claro — afirma o gestor de cadeias produtivas e inovação da marca, Beto Bina.

Além de olhar de perto sua cadeia de produção, a Veja também tem cuidado para que seu êxito de vendas não acabe gerando impacto desproporcional no meio ambiente.

— O crescimento foi bem orgânico, a empresa nunca foi alavancada por investidores externos ou investiu em marketing para trazer consumidores de maneira artificial — diz. — A gente nunca vai fazer anúncio pago.

O conceito se estende ainda à questão da governança e do tratamento dos funcionários. O fato de o Brasil ter leis trabalhistas sólidas influenciou a escolha da Veja pelo país.

— Isso seria mais difícil de fazer na China ou na Índia, por exemplo — explica.

FONTE: Donna Moda

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