O número de brasileiros que recorreram aos cartórios para alterar o nome, o sobrenome ou a filiação na certidão de nascimento aumentou desde a entrada em vigor da nova Lei de Registros Públicos (14.382/2022). Ela foi promulgada em junho do ano passado e, desde então, permite que cada pessoa realize esse procedimento sem precisar de autorização da Justiça. Nos primeiros seis meses que se seguiram à sanção da nova lei, 4.970 pessoas entraram com pedidos para alterar o prenome, que é o primeiro nome. Se contados os pedidos feitos até o início de março deste ano, esse total sobe para 7.231. Os dados são da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Brasil (Arpen Brasil).
Parte significativa dessas mudanças de nome diz respeito às mudanças de gênero em pessoas transexuais que, desde 2018, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), conquistaram o direito de mudar a certidão de nascimento nos próprios cartórios, sem a necessidade de recorrer à Justiça. De acordo com a própria Arpen Brasil, 3.165 procedimentos de alteração de gênero foram realizados em 2022, o que representa um crescimento de 69,9% em relação aos 1.863 registrados em 2021.
Com as regras que passaram a vigorar, a mudança do prenome tem que seguir um prazo de até cinco dias e só pode ser feita uma única vez. Basta a pessoa maior de 18 anos procurar qualquer cartório do país, apresentando os documentos pessoais e pagando uma taxa que varia de R$ 100 a R$ 400. No caso dos bebês recém-registrados, a alteração do prenome pode sair em até 15 dias, desde que essa mudança seja consensual entre os pais. Em casos excepcionais, como suspeitas de fraude ou crime, o oficial de cartório pode recusar o pedido e remetê-lo ao Judiciário.
A professora Tatiana da Hora Andrade, docente do curso de Direito e responsável pelo Núcleo de Práticas Jurídicas (NPJ) do Centro Universitário Tiradentes (Unit Pernambuco), explica que a identificação oficial por nome (prenome) e sobrenome (nomes de família) representam o direito à personalidade, que é um direito fundamental do indivíduo. “Eles fazem parte da dignidade da pessoa humana, mas têm uma função social, porque vai trazer um regulamento de identificação. A partir de um sobrenome, a gente vai conseguir identificar traços de família, vai estar presente nas questões de sucessões, de estado civil dos indivíduos, etc”, afirma.
Neste sentido, o nome de uma pessoa tem muitas outras implicações e responsabilidades de natureza jurídica, sendo adotado como referência para a constituição de bens patrimoniais e o exercício de direitos de autor, poder ou posse, a exemplo do poder de família para os pais ou responsáveis legais. Isso fazia com que a mudança do nome ou do sobrenome exigisse regras e burocracias mais rígidas antes da adoção da nova Lei de Registros Públicos – e que exigiam necessariamente a autorização judicial.
“Por ser um direito da personalidade e envolver uma série de questões de identidade pessoal, a gente só permitia mudança em caso de o nome ser algo constrangedor e causar vexame, do tipo “Janeiro Fevereiro de Março Abril”. Ou nos casos de transexualidade, em que a pessoa pode mudar, inclusive, um nome que não tenha nada a ver com o nome original. Já vi um caso de um Antônio que virou Antonella e de um Alexandre que virou Maísa”, exemplifica Tatiana.
Mudança do sobrenome
Uma situação mais comum nos cartórios é a mudança do sobrenome de mulheres que, ao casarem ou contraírem união estável, adotam o sobrenome do esposo ou companheiro. Essa tendência vem caindo desde 2002, com a reforma do Código Civil. De acordo com a Arpen, essas alterações caíram 30% ao longo dos últimos 20 anos. Por outro lado, 50,5% dos casados optam por manter os nomes originais de cada família. Nos casos de divórcio, separação ou morte do cônjuge, muitas mulheres optam por resgatar os sobrenomes originais, de sua época de solteira.
Outras pessoas entraram com pedidos para alterar o sobrenome, seja para acrescentar ou excluir sobrenomes ligados às famílias paterna ou materna, a depender de suas ligações ou afinidades afetivas. Um caso recente que chamou atenção na mídia foi o da cantora de funk Jojo Toddynho, que anunciou ter pedido a exclusão do nome da própria mãe biológica na certidão de nascimento, deixando apenas o nome do pai e alegando não ter nenhum laço afetivo com ela, pois foi criada pela avó paterna desde os 10 anos de idade.
“A gente já tinha muita jurisprudência de nome social, de gente que não se identificava com seu próprio nome. E já tinha inclusão e exclusão de sobrenomes em razão da socioafetividade. O direito de família atual considera muito mais afetividade do que biologia”, considera Tatiana.
A professora ressalta que o interessado deve comprovar no cartório que o sobrenome pretendido (ou recusado) tenha (ou não) algum vínculo com sua família. “Eu não posso escolher um apelido de família que não faz parte da minha história familiar. Existem algumas questões que vão ter implicações de inclusão”, alerta ela, acrescentando que o exercício desse direito não pode gerar violações a outros direitos ou incorra, por exemplo, em crimes contra a honra, nos casos de conflitos familiares.